O Futuro da Psicoterapia – Reflexões e Propostas
Paula Pantoja Boechat
Médica, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RJ,Analista
Junguiana,Professora do Curso de Pós-graduação em Psicologia Junguiana do I B M R ,
Membro fundador da Associação Junguiana do Brasil e do Instituto Junguiano
do RJ,Membro da IAAP (International Association for Analytical Psychology).
E-mail:boechatp@uol.com.br
O Futuro da Psicoterapia – Reflexões e Propostas
Resumo
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O texto tece considerações sobre a psicoterapia no mundo atual, onde a
exigência é de uma aceleração maior do tempo. Em conseqüência disto, estaríamos nós
perdendo o respeito pelo tempo único de cada indivíduo?
Estaríamos nos exigindo uma massificação dos comportamentos, e também uma
falta de ética?
São discutidas as técnicas de mobilização de símbolos, que podem acelerar o
processo terapêutico, e também mostrar ao paciente o seu compromisso com a doença
ou a saúde.
É trazido o conceito de individuação relacionada, e é resgatada a importância
da psicoterapia para manter o espírito de sensibilidade humana no mundo atual.
Unitermos : Psicoterapia Junguiana / Terapia Sistêmica / Individuação
Relacionada/Paciente Identificado / Ressonância
El Futuro de la Psicoterapia – Reflexiones y Sugerencias
Resumen
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El texto es sobre la psicoterapia en la actualidad, que se exige gran aceleración
en todo. ¿Como consecuencia, estamos nosotros perdiendo el respecto por el tiempo de
cada persona?
¿Estamos exigiéndonos uno estereotipo de los comportamientos, incluso una
falta de ética?
Las técnicas de proveimiento de símbolos del inconsciente son discutidas cómo
posibilidad de acelerar el proceso psicoterápico y también de enseñar al paciente su
compromiso con la enfermedad o con la salud.
El concepto de individuación relacionada es discutido y es también retomada
la importancia de la psicoterapia para mantener el espirito de sensibilidad humana en
la actualidad.
Unitermos
Psicoterapia Junguiana / Terapia Sistemica / Individuación Relacionada /
Paciente Identificado / Ressonancia.
The Future of Psychotherapy – Reflections and Suggestions
Abstract
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The text discusses psychotherapy and the present time, where acceleration is
requested in everything.
Are we, as a consequence, losing the respect for each person’s individual time?
Are we demanding from ourselves an equalization of behaviours, and also losing
our ethics?
The techniques for mobilising symbols are discussed as ways to accelerate the
process but also to show the patient his compromise with sickness or with health.
The notion of related individuation is brought, and also the importance of
psychotherapy is emphasized to maintain the spirit of human sensibility in today’s
world.
Keywords
Jungian Psychotherapy / Systemic Psychotherapy / Related Individuation /
Identified Patient / Ressonance.
Ao me deparar com a proposta de pensar o futuro da psicoterapia, ocorreu
-me escrever sobre dois tópicos que considero muito importantes no mundo
atual e que portanto influenciam diretamente nosso trabalho como
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psicoterapeutas : a aceleração do tempo e a ética .
A aceleração do tempo é um fator inerente ao mundo de hoje.
Anteontem nos comunicávamos por cartas, ontem por telégrafo,
depois radio, telefone, fax, e agora via internet.
Um advogado, por exemplo, que antes trabalhava em seu escrit
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numa bacia com pouca água batíamos o sabão até fazer bastante espuma.
Com um canudo, soprávamos as bolhas de sabão e observávamos por
horas a fio: a coloração das bolhas na luz da tarde, seu tamanho,
o formato que adquiriam ao sair do canudo, o tempo que levavam para
estourar __ tudo era interessantíssimo.
Hoje já compramos o vidrinho com detergente, na tampa vem
embutido um aro de plástico que ao ser balançado no ar solta
dezenas de bolhas por segundo.
O interessante hoje não é mais apostar quanto tempo uma
determinada bolha vai ficar voando até se romper. O bom é
fazer mais bolhas por segundo e criar uma nuvem de sabão no ar.
Saudosismo? Talvez, mas sem dúvida até nas brincadeiras
o mundo está muito acelerado, sem falar dos joguinhos de computador…
Voltando então à questão das comunicações, vemos
que elas se fazem instantaneamente. Como conseqüência, o tempo
de reflexão fica bastante reduzido e os mal-entendidos tendem a se
acumular.
Os casamentos são mais efêmeros, e uma das grandes causas
é a superficialização na elaboração dos conflitos interpessoais.
Nós, terapeutas, hoje, nos vemos cobrados na rapidez da
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melhora do paciente, que a maioria das vezes vem buscar na terapia uma
adaptação ao mundo mais do que um processo de individuação, isto é,
uma chance de se descobrir na sua forma mais única como pessoa
e capaz de disponibilizar ao máximo a sua verdadeira essência.
Falando um pouco sobre ética: a bioética, por exemplo,
é uma questão importante hoje, e discutida regularmente nos
Jornais do Conselho Federal de Medicina.
A bioética vem questionar a manipulação genética dos
alimentos, a morte cerebral e a doação de órgãos para transplante,
o genoma, que pretende nos dizer, desde que nascemos, quais as
doenças que podemos desenvolver ao longo da vida, e também
as modernas técnicas para se vencer a esterilidade masculina e feminina.
Todos esses avanços da ciência nos surpreendem a tal ponto,
que ainda não sabemos como lidar com eles de forma adequada, isto é,
de forma que ainda continuemos a nos sentir humanos e sensíveis.
O Projeto Genoma, que mapeou os nossos genes, poderia
predizer nossas doenças futuras (seria a medicina preditiva, e não
preventiva ou curativa). Existem genes que predispõem ao câncer de
mama, ao diabetes, etc.
Nos Estados Unidos e mesmo no Brasil, alguns laboratórios
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fazem o mapeamento dos genes e o resultado entregue `as pessoas
tem provocado quadros de depressão e até mesmo suicídio.
É como se o genoma fosse determinante e os pesquisadores e as
vítimas pesquisadas se esquecessem da importantíssima função da
psique na deflagração da doença ou na preservação da saúde física.
A manipulação dos gametas é outra técnica moderna que está sendo
cada vez mais difundida, e onde parece que a ética passa bem longe.
Em nome de se conceber um filho, se manipulam os gametas e nem
sempre os técnicos explicitam o que realmente ocorre no processo de
fertilização. Cada vez mais tomamos conhecimento de casos onde a
concepção não foi conseguida com óvulo e espermatozóides do casal com
problema de esterilidade. Foi usado óvulo ou espermatozóide de
doador sem o conhecimento prévio do casal. Outra questão que muitas
vezes surge é: o que foi feito dos embriões que foram considerados de
“má qualidade” e não foram implantados no útero da mãe? Foram
destruídos? Foram implantados em outra mulher? Foram congelados
para pesquisas posteriores? O casal doador dos gametas autorizou ?
Sem dúvida as especialidades médicas que lidam com a
esterilidade tanto feminina quanto masculina vieram trazer
realizações para muitas pessoas, mas ainda não temos um controle
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legal adequado para estas práticas. Existem profissionais sérios,
honestos e sensíveis trabalhando nesta área, mas também aqueles
que visam o lucro rápido e que não respeitam a ética no lidar com
as sementes de vida de cada pessoa, e muito menos ainda no lidar com
a sensibilidade e o tempo de cada um. O tempo de tomar a decisão
sobre inseminação ou não.
A demora na decisão vai ser interpretada como uma dificuldade
em ser pai ou ser mãe. E não, como percebo muitas vezes, muito mais
uma dificuldade em lidar com uma técnica artificial de procriação,
num mundo onde poucas coisas ainda ocorrem de forma natural ,
espontânea. Onde até o desejo pode ser alterado e chegar a ter
“efeitos especiais” como sugere o nome comercial do medicamento
para dificuldades de ereção, o Sildenafil, escolhido pelo laboratório
Pfizer : ” Viagra” . O nome é a junção das palavras Vigor com
Niagara (nome das cataratas mais famosas dos Estados Unidos).
Mas claro que nas terapias também e principalmente, o controle
legal adequado é muito difícil de ser efetivo, e a ética muitas vezes
passa bem longe .
Desde os envolvimentos sexuais de terapeutas e pacientes,
podemos ver a falta de ética também nas promessas de curas rápidas
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e milagrosas. Há técnicas psicoterápicas que propalam verdadeiras
“curas xamanísticas”, e, o pior, querem o mérito do sucesso só para si.
A guerra entre terapeutas para provar que o seu método é o melhor,
tem se revelado bastante sombria.
Cada vez fica mais claro que muito mais as semelhanças
do que as diferenças entre as linhas de terapia são responsáveis
pelas mudanças que ocorrem nos pacientes.
Quando examinamos a fundo as correntes de psicoterapia,
encontramos cada vez mais pontos de vista e abordagens comuns.
O modelo terapêutico empregado, a meu ver, tem muito mais
importância para o terapeuta. É ele que vai se identificar com aquela linha e ter mais
facilidade com a técnica. É também o terapeuta quem,
acreditando na sua forma de trabalhar, vai mobilizar uma expectativa
positiva e a esperança do paciente.
Quando o terapeuta consegue estabelecer um vínculo positivo,
empático e confiante com seu paciente, aí surge o fator realmente
mais importante de todos para o sucesso de uma terapia. Este fator é
o paciente.
A importância da contribuição do cliente é extraordinária,
quando comparada com outros fatores. Sem essa contribuição
nenhuma mudança se faz em nenhuma psicoterapia, seja ela de que
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linha for.
Hoje também é comum recebermos em nossos consultórios
pessoas que, querendo ter sucesso, aprendem a dominar a consciência
dos outros, e muitas vezes vêm para a terapia para se aprofundar na
arte de manipular. Transformam os outros em objetos e a si próprios
também. São incapazes de entender a subjetividade, são dominados
por uma ética manipuladora e narcisista. Querem que a terapia os
ensine a usar a psicologia para ter mais poder, e não para
entender a própria subjetividade, sensibilidade e seus limites.
Não podemos compactuar com isso, mas sabemos muito bem
que no mundo atual as pessoas que tem esse traço de caráter (ou de
falta de caráter)são em geral bem sucedidas financeiramente, e podem
ser clientes bons pagantes. Aí entra mais uma vez em questionamento
a ética do terapeuta .
Quanto mais as pessoas se vêem no convívio com outras cuja
intenção maior é priorizar seus próprios interesses sem se importar
com as conseqüências , mais elas se sentem isoladas num mundo
hostil no qual precisam acreditar que devam desenvolver mecanismos
defensivos elaborados para sobreviver .
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No entanto, como sabemos, a riqueza da nossa criatividade,
do nosso prazer e saúde psíquica aparece e é estimulada no encontro
profundo e sensível com os outros seres .
Jung desenvolveu o conceito de individuação, que é o processo
de cada pessoa se descobrir única, lidando de forma o mais saudável
possível com seus conflitos conscientes e inconscientes. Este processo é
conseguido num diálogo interno, mas também no encontro com as outras
pessoas e o mundo.
No Instituto de Terapia Familiar de Heidelberg (Simon,1984),
criou-se o conceito de ” Individuação Relacionada”. Este conceito
se refere `a habilidade de diferenciar o mundo interno de cada pessoa
em comunicações claras sobre necessidades, expectativas, percepções
e sentimentos. A realidade interna de cada elemento que compõe o
sistema familiar deve existir de uma forma altamente diferenciada,
distinta das idéias, expectativas e exigências dos outros. O grau
de individuação relacionada mostra o grau de saúde de uma relação
de casamento ou familiar.
No meu trabalho com casais e famílias, e também no atendimento
individual, utilizo a visão junguiana e também a visão sistêmica.
Dentro da visão junguiana, o sintoma tem uma função
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homeostática para a psique do indivíduo. O Self (ou Si – Mesmo)
promove uma compensação na psique, a partir de enviar símbolos
para a consciência que indicam o caminho de individuação, o
caminho da cura. Para Jung, o sintoma, ele mesmo, é um símbolo
que também indica o caminho de cura para a psique do indivíduo.
Os terapeutas sistêmicos afirmam que a doença de um
elemento do grupo familiar é uma tentativa de trazer homeostase
para todo o sistema , mas também explicam que tal paciente identificado
encarna a possibilidade de redenção de todo o grupo.
Portanto, tanto o sintoma neurótico ou psicótico em um
indivíduo, como o paciente identificado em uma família carregam
o mesmo significado teleológico, isto é, neles está a salvação.
Atualmente, quando trabalho com pacientes individuais, penso
que pode ser muito rico em determinadas situações, para o meu
paciente, convidar um ou outro elemento de sua família para algumas
sessões. A relação familiar pode ser melhor compreendida e esclarecida
e o processo do paciente agilizado de forma bastante proveitosa.
Este conceito de individuação relacionada me mostra a
necessidade que o ser humano tem de não se sentir isolado e
de participar mais no mundo.
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A terapia , desta forma , estaria favorecendo a comunicação
dos elementos que compõem o social mais imediato do paciente
(que é a sua família), e lhe proporcionando uma abertura maior
para a solidariedade e a negociação interpessoal no social mais ampliado.
Cada elemento da família determina as condições para a individuação
dos outros membros. Assim como o social mais ampliado dos nossos
colegas de trabalho, vizinhos, amigos, conterrâneos e etc. vai determinar
as dificuldades ou facilidades para a nossa individuação, a nossa realização
como seres únicos que somos .
Para mim é fundamental entender o indivíduo, e também o sistema.
Uma vez que eu tenha uma percepção sistêmica do indivíduo,eu
posso compreender mais claramente quando uma transformação
no paciente tem uma resposta homeostática boa ou ruim da família.
Gostaria de sugerir alguns pontos importantes para serem
pensados, pontos que eu considero de grande auxílio para o terapeuta
de hoje:
Jung nos legou técnicas de mobilização de conteúdos
inconscientes que podem agilizar o processo terapêutico.
Acredito, que tanto a técnica de Imaginação Ativa, quanto o uso
do desenho ou da caixa de areia, muito mais do que garantir
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uma aceleração do processo mostram ao paciente a concretude
do seu processo analítico. Quando um paciente expressa na caixa
de areia seu conflito , usando as miniaturas e compondo uma cena,
de acordo com a técnica de Dora Kalff (1980) , costumo fotografar.
Ao lhe mostrar uma sucessão de fotos de cenas em caixa de areia,
ele pode acompanhar as mudanças no seu processo de forma mais
visível.
Os pacientes atualmente cobram muito uma relação
custo – benefício, e esta seria uma forma não só de lhe exibir
mudanças palpáveis no seu processo terapêutico, como também
de demonstrar o quanto o processo está em seu poder.
Na teoria sistêmica construtivista, os teóricos dizem
que qualquer observação sobre a realidade é primariamente
uma afirmação sobre o observador. A separação sujeito – objeto
não é mais tão importante. Em vez disso, o construtivismo
percebe o conhecimento como um aspecto da interação.
Na terapia individual, o terapeuta deve estar consciente
do sistema terapeuta-paciente, já que ele não é somente um mero
observador, mas um co-participante na construção da realidade.
O observador se torna parte do observado.
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Para Jung também, a relação terapêutica é comparável a
duas substâncias que se misturam na retorta do alquimista
para chegar a uma transformação.
Hoje o terapeuta se vê forçado a sair mais da neutralidade,
e a trabalhar muito mais a contratransferência (ou melhor dizendo,
a transferência do analista para o paciente).
Quando sonhamos com um paciente, por exemplo, ele
representa um aspecto nosso, mas também pertence `a psique do
paciente. Jung nos diz:
” O paciente, quando traz um conteúdo inconsciente ativado
para o terapeuta, constela o correspondente material inconsciente nele….
conteúdos são muitas vezes ativados no terapeuta, que poderiam
normalmente permanecer latentes.” (Jung ,1954,par364).
Existe um conceito proposto por Mony Elkaïm (1990), que
é o da ressonância. Ressonância ocorre quando existe uma situação
onde a mesma regra se aplica `a família do paciente , `a família
de origem ou atual do terapeuta, ou ao grupo de supervisão.
Portanto, a ressonância se compõe de elementos semelhantes
que são comuns a diferentes sistemas inter-relacionados.
Podemos perceber que Elkaïm deve estar falando de algo
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semelhante ao que Jung descreveu como Sincronicidade, isto é,
a coincidência de eventos que trazem um significado novo,
uma proposta de solução.
Sem dúvida a teoria sistêmica associada `a visão junguiana
tem me ajudado bastante no meu trabalho de consultório.
Outro ponto importante que gostaria de expor é que acredito
que o terapeuta de hoje precisa sair de uma posição idealizada
e se mostrar mais humanizado, não oferecer mais do que pode
dar, até porque quem realmente tem o maior poder de mudar as
coisas é o cliente, se quiser.
A psicoterapia tem limites e não resolve tudo. Devemos
saber também quando jogar a toalha e admitir que não conseguimos
ajudar o paciente. Talvez com outro terapeuta ele consiga um efeito
melhor. Pode ser também que seja um caso que não se resolva com
psicoterapia, mas com grupos tipo 12 passos, com orações, etc.
Uma coisa todos nós sabemos: alguns pacientes nossos não
toleram fazer uma análise em profundidade. Toleram apenas uma
terapia de apoio. Jung (1953) na introdução do seu livro “Psicologia
e Alquimia” nos diz que a terapia pode ser válida mesmo quando
termina como “um pedaço de bom conselho” (par.3), sem necessariamente
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seguir o padrão de várias vezes por semana durante muitos anos.
Na época atual, com o declínio dos valores morais, com a
dissolução da família, com a violência social, a insegurança econômica,
a ansiedade é sem dúvida crescente. A nossa profissão de
psicoterapeutas pode ser um espaço privilegiado para alguém
vivenciar a experiência humana autêntica e pessoal do encontro e
solidariedade com o outro e consigo mesmo.
Não existe outro campo profissional que tenha dedicado
tanto estudo, inteligência e empenho para fazer um trabalho humano
em um mundo cada vez menos humano.
Nós, psicoterapeutas, somos muito necessários para manter
neste mundo o espírito de vida, de sensibilidade humana, que sem
dúvida estaria muito pior sem a nossa ajuda.
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BIBLIOGRAFIA:
ELKAÏM, M. –(1990)- Se você me ama, não me ame. Abordagem sistêmica em
psicoterapia familiar e conjugal.Campinas, SP:Papirus.
JUNG, C.G. –(1991)- A prática da psicoterapia (Vol. xvi-1, par 364) Petrópolis:
Vozes
JUNG, C.G. –(1994)- Psicologia e Alquimia (Vol. x